segunda-feira, 6 de abril de 2020

O CRIME DE GENOCÍDIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA




O CRIME DE GENOCÍDIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
*Flávio Sánchez Leão – Juiz de Direto da 7ª. Vara Criminal da Comarca de Belém do Pará

Caso venham a se confirmar, no Brasil, as dezenas de milhares de mortes decorrentes da pandemia do coronavírus, que podem haver em razão de se relaxarem as medidas de isolamento social e quarentenas que são as únicas politicas públicas capazes de conterem a expansão do vírus, conforme aconselham todas as autoridades médicas e sanitárias do Brasil e do mundo, inclusive o Ministério da Saúde brasileiro e a OMS, estas mortes excedentes e desnecessárias, muito além das que serão inevitavelmente causadas pela pandemia, deverão ser atribuídas ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, que terá cometido, no dia 24/03/2020, em seu pronunciamento oficial à nação, um crime de genocídio consumado.
O crime é previsto na Lei federal nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, que define e pune os crimes de genocídio.
Dispõe a lei:
“Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
(...)
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; (pena prevista no Código Penal: reclusão, de doze a trinta anos)
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; (pena prevista no Código Penal: reclusão, de dois a oito anos)
Com as penas do art. 270, no caso da letra c; (pena prevista no Código Penal: reclusão, de dez a quinze anos)”.
No conceito de “grupo nacional”, previsto como sujeito passivo no caput do artigo legal, vítimas deste crime, entendo estar plenamente enquadrado o grupo de brasileiros com mais de 60 anos, diabéticos, cardíacos, hipertensos e portadores de demais doenças crônicas que se convencionou chamar de grupo de risco frente à doença do coronavírus.
Vejamos que, além das mortes e lesões corporais que o contágio do vírus vier causar a esse grupo, estarão estes cidadãos submetidos “a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial”, conforme diz o artigo da Lei, pois será dessa forma que passarão a viver milhões de idosos e portadores de doenças crônicas, cercados de outros milhares ou milhões de contaminados assintomáticos que irão ser portadores do vírus e serão vetores da pestilência aos mais vulneráveis em razão de terem se relaxado as medidas de contenção social.
Portanto, perfeitamente caracterizado os elementos típicos do crime de genocídio até agora analisados.
Resta saber se o crime de genocídio pode ser cometido por meio de dolo eventual.
A defesa do Presidente da República poderia argumentar que a lei exige a “intenção” de destruir o grupo de vítimas. Poderia argumentar que jamais o Presidente da República teve a intenção de matar pessoas ou causar-lhes lesões. Que sua intenção era, na verdade, salvar a economia nacional (como se isto fosse possível a essa altura dos acontecimentos).
Portanto, poder-se-ia argumentar que o crime de genocídio só poderia ser cometido a título de dolo direto, intencional, considerando-se como tal aquele que o agente previu e quis o resultado, conforme o art. 18, inciso I, primeira parte, do Código Penal brasileiro que dispõe: “Art. 18 - Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ...”.
Entretanto, entendemos que o crime de genocídio pode ser cometido, também, por meio de dolo indireto ou eventual, que é quando o agente assume o risco de produzir o resultado, prevê o resultado como possível ou provável e, mesmo assim, resolve agir de qualquer forma, aceitando a sua eventual ocorrência.
Tal modalidade dolo eventual está prevista no mesmo dispositivo do Código Penal brasileiro, conforme o art. 18, inciso I, segunda parte, que dispõe: “Art. 18 - Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado OU ASSUMIU O RISCO DE PRODUZI-LO.
Pois bem, Bolsonaro assume o risco de produzir o resultado criminoso contra o grupo nacional vítima do genocídio pregado pelo Presidente da República quando afirma em seu pronunciamento à nação: “O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine”.
Ou seja, admite haver um grupo nacional de mais vulneráveis ao coronavírus, mas aceita o resultado morte e lesão corporal que o vírus pode causar a este grupo. E, assim aceitando o resultado, conclama a 'volta à normalidade' e fim do 'confinamento em massa' e, até mesmo, a reabertura das aulas nas escolas.
Portanto, estará plenamente configurado o crime de genocídio por meio do dolo eventual.
Logo, caso confirmadas nos próximos dias as mortes do grupo de nacionais vulneráveis ao coronavírus em razão direta da desmobilização do isolamento social e quarentena que vem sendo implementados no Brasil especialmente pelos governadores e se mostrar evidente que o número de mortos extrapolou e muito o que ocorreria caso mantidas as medidas de contenção sanitárias, o Presidente da República deverá ser julgado pelo cometimento do crime de genocídio.
E tal julgamento caberá ao Tribunal Popular do Júri, pois o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 351.487/RR, sublinhou que havendo concurso formal entre genocídio e homicídio doloso, compete ao Tribunal do Júri da Justiça Federal o julgamento dos crimes de homicídio e genocídio, quando cometidos no mesmo contexto fático.
Caso os demais poderes e instituições não tomem providencias para responsabilizar penalmente o Presidente da República, ainda assim Jair Bolsonaro poderá ser submetido a julgamento perante o Tribunal Penal Internacional, pois o Estatuto de Roma, que instituiu o referido Tribunal Penal Internacional, promulgado pelo decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, em vigor, portanto, no nosso país,  estabeleceu a competência ao Tribunal Penal internacional para o julgamento de quatro categorias de crimes: a) o crime de genocídio; b) os crimes contra a humanidade; c) os crimes de guerra; e d) crimes de agressão. 


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