O CRIME DE GENOCÍDIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
*Flávio Sánchez Leão – Juiz de Direto da 7ª. Vara Criminal da
Comarca de Belém do Pará
Caso venham a se confirmar, no Brasil, as dezenas de milhares de
mortes decorrentes da pandemia do coronavírus, que podem haver em razão de se
relaxarem as medidas de isolamento social e quarentenas que são as únicas
politicas públicas capazes de conterem a expansão do vírus, conforme aconselham
todas as autoridades médicas e sanitárias do Brasil e do mundo, inclusive o
Ministério da Saúde brasileiro e a OMS, estas mortes excedentes e
desnecessárias, muito além das que serão inevitavelmente causadas pela
pandemia, deverão ser atribuídas ao Presidente da República, Jair Bolsonaro,
que terá cometido, no dia 24/03/2020, em seu pronunciamento oficial à nação, um
crime de genocídio consumado.
O crime é previsto na Lei federal nº 2.889, de 1º de outubro de
1956, que define e pune os crimes de genocídio.
Dispõe a lei:
“Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte,
grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do
grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência
capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
(...)
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra
a; (pena prevista no Código Penal: reclusão, de doze a trinta anos)
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; (pena prevista
no Código Penal: reclusão, de dois a oito anos)
Com as penas do art. 270, no caso da letra c; (pena prevista no
Código Penal: reclusão, de dez a quinze anos)”.
No conceito de “grupo nacional”, previsto como sujeito passivo no
caput do artigo legal, vítimas deste crime, entendo estar plenamente enquadrado
o grupo de brasileiros com mais de 60 anos, diabéticos, cardíacos, hipertensos
e portadores de demais doenças crônicas que se convencionou chamar de grupo de
risco frente à doença do coronavírus.
Vejamos que, além das mortes e lesões corporais que o contágio do
vírus vier causar a esse grupo, estarão estes cidadãos submetidos “a
condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou
parcial”, conforme diz o artigo da Lei, pois será dessa forma que passarão
a viver milhões de idosos e portadores de doenças crônicas, cercados de outros
milhares ou milhões de contaminados assintomáticos que irão ser portadores do
vírus e serão vetores da pestilência aos mais vulneráveis em razão de terem se
relaxado as medidas de contenção social.
Portanto, perfeitamente caracterizado os elementos típicos do
crime de genocídio até agora analisados.
Resta saber se o crime de genocídio pode ser cometido por meio de
dolo eventual.
A defesa do Presidente da República poderia argumentar que a lei
exige a “intenção” de destruir o grupo de vítimas. Poderia argumentar que
jamais o Presidente da República teve a intenção de matar pessoas ou
causar-lhes lesões. Que sua intenção era, na verdade, salvar a economia
nacional (como se isto fosse possível a essa altura dos acontecimentos).
Portanto, poder-se-ia argumentar que o crime de genocídio só
poderia ser cometido a título de dolo direto, intencional, considerando-se como
tal aquele que o agente previu e quis o resultado, conforme o art. 18, inciso
I, primeira parte, do Código Penal brasileiro que dispõe: “Art. 18 -
Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ...”.
Entretanto, entendemos que o crime de genocídio pode ser cometido,
também, por meio de dolo indireto ou eventual, que é quando o agente assume o
risco de produzir o resultado, prevê o resultado como possível ou provável e,
mesmo assim, resolve agir de qualquer forma, aceitando a sua eventual
ocorrência.
Tal modalidade dolo eventual está prevista no mesmo dispositivo do
Código Penal brasileiro, conforme o art. 18, inciso I, segunda parte, que
dispõe: “Art. 18 - Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o
resultado OU ASSUMIU O RISCO DE PRODUZI-LO”.
Pois bem, Bolsonaro assume o risco de produzir o resultado
criminoso contra o grupo nacional vítima do genocídio pregado pelo Presidente
da República quando afirma em seu pronunciamento à nação: “O que se
passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60
anos. Por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs com
menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer
manifestação caso se contamine”.
Ou seja, admite haver um grupo nacional de mais vulneráveis ao
coronavírus, mas aceita o resultado morte e lesão corporal que o vírus pode
causar a este grupo. E, assim aceitando o resultado, conclama a 'volta à
normalidade' e fim do 'confinamento em massa' e, até mesmo, a reabertura das
aulas nas escolas.
Portanto, estará plenamente configurado o crime de genocídio por
meio do dolo eventual.
Logo, caso confirmadas nos próximos dias as mortes do grupo de
nacionais vulneráveis ao coronavírus em razão direta da desmobilização do
isolamento social e quarentena que vem sendo implementados no Brasil
especialmente pelos governadores e se mostrar evidente que o número de mortos
extrapolou e muito o que ocorreria caso mantidas as medidas de contenção
sanitárias, o Presidente da República deverá ser julgado pelo cometimento do
crime de genocídio.
E tal julgamento caberá ao Tribunal Popular do Júri, pois o STF,
ao julgar o Recurso Extraordinário 351.487/RR, sublinhou que havendo concurso
formal entre genocídio e homicídio doloso, compete ao Tribunal do Júri da Justiça
Federal o julgamento dos crimes de homicídio e genocídio, quando cometidos no
mesmo contexto fático.
Caso os demais poderes e instituições não tomem providencias para
responsabilizar penalmente o Presidente da República, ainda assim Jair
Bolsonaro poderá ser submetido a julgamento perante o Tribunal Penal
Internacional, pois o Estatuto de Roma, que instituiu o referido Tribunal Penal
Internacional, promulgado pelo decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, em
vigor, portanto, no nosso país, estabeleceu a competência ao Tribunal
Penal internacional para o julgamento de quatro categorias de crimes: a) o
crime de genocídio; b) os crimes contra a humanidade; c) os crimes de guerra; e
d) crimes de agressão.
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