sábado, 11 de abril de 2020

AS PRISÕES: FOCO DO CORONAVÍRUS PARA OS BAIRROS ONDE VIVEM OS POBRES




OS PRINCIPAIS ALVOS DA DOENÇA QUE FOR IRRADIADA DAS PRISÕES SERÃO AS FAVELAS E BAIRROS POPULARES ONDE VIVEM OS POBRES E A MAIOR PARTE DA POPULAÇÃO NEGRA DO PAÍS

Decisão tomada na 7ª. Vara Criminal de Belém, atendendo a Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trata da reavaliação das prisões em tempo de disseminação da doença do coronavírus.
O réu foi colocado em prisão domiciliar por se considerar que o crime de tráfico de drogas do qual é acusado não foi praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa, não havendo indicação de que o preso seja pessoa dotada de extrema periculosidade.
Foi levado em conta que as prisões brasileiras, com suas características de superlotação e insalubridade, poderão se transformar em focos de disseminação da doença para toda a população e não somente para os presos, sendo que os principais alvos da doença que for irradiada das prisões serão as favelas e bairros populares onde vivem os pobres e a maior parte da população negra do país, repetindo, assim, o que se viu na cidade de Nova York, onde a prisão de Rikers se tornou um foco de disseminação da Covid-19 para os bairros onde vive a população negra daquela cidade dos EUA.
Segue a integra da decisão:

“Vistos, etc.

Vieram-me os autos conclusos por ordem deste magistrado titular da vara, com fundamento no art. 4º, inc. I, e seus incisos da Recomendação nº 20/2020 do CNJ, a qual determina a reavaliação das prisões provisórias, nos termos do art. 316, do Código de Processo Penal, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do coronavírus, motivo pelo qual, passo a reapreciar a prisão preventiva de F.M.C.J.

O réu foi denunciado pelo crime previsto no art. 33, caput, da lei 11.343/2006, qual seja, tráfico ilícito de entorpecentes, estando preso desde o dia 13/02/2020, quando policias efetuaram a prisão em flagrante do denunciado por encontrarem na posse do mesmo 57 papelotes de maconha, com peso total de 30,4 gramas, bem como a quantia de R$ 18,00 (dezoito reais), sendo que, segundo a narrativa da denúncia, os policiais observaram a movimentação no local da prisão e a comercialização se dava quando algumas pessoas procuravam o denunciado que se dirigia até à beira do canal, pegava a droga, retornava e entregava a substância ilícita.

Portanto, o caso do réu se enquadra dentre aqueles que merecem reavaliação, pois o crime de tráfico de drogas que se apura não foi praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, nos termos da alínea c, do inc. I, do art. 4º da recomendação nº 62/2020 do CNJ.

O flagrante foi convertido em prisão preventiva em audiência de custódia realizada pela 1ª. Vara de Inquéritos Policiais de Belém, se encontrando entre os fundamentos da decisão que converteu o flagrante em preventiva o fato de o réu já possuir condenação transitada em julgado pelo crime de roubo majorado, sendo que estava sob regime de prisão domiciliar.

Passo à reanálise.

Com relação à excepcionalidade com que se deve aplicar medidas de manutenção do encarceramento durante a pandemia da Covid-19, vejamos as seguintes razões.

Em primeiro lugar, deve ser lavado em conta – se não quiserem considerar razões humanitárias que justificam o desencarceramento em meio a uma situação de pandemia – que existe um risco real e iminente: o de que as prisões se tornem epicentros de disseminação da doença para toda a população.

Engana-se quem pensa que só a população carcerária corre risco de ser afetada por um surto de Covid-19 nos locais de custódia. Todas as pessoas que trabalham nas unidades prisionais, como agentes penitenciários e de escolta, policiais, advogados, defensores públicos, juízes, promotores, profissionais de saúde, psicólogos, assistentes sociais e, por consequência, todos aqueles que os cercam, seus familiares, amigos e vizinhos estarão vulneráveis. No país todo milhares de servidores prisionais entram e saem das prisões, todos os dias.

Não se pode esquecer que o Poder Judiciário continua decretando novas prisões, bem como há presos que, nesse período, verão suas penas chegarem ao fim e serão soltos, o que propiciará que o vírus transite para dentro e para fora do sistema.

É de se observar, nesse sentido, a experiência de países em que a pandemia já se encontra em estágio mais avançado. Em Nova York, o novo vírus está se disseminando pelas prisões e o ambiente prisional está sendo considerado um epicentro de contaminações na cidade, conforme análise da Legal Aid Society, que aponta que a taxa de infecções no ambiente prisional espraia-se em velocidade sete vezes maior que no restante da população [Disponível em: https://www.conversaafiada.com.br/politica/prisoes-de-nova-york-viram-epicentro-do-coronavirus-aprenderemos-a-licao. Acesso em 06.04.2020 às 12h40min].

Segunda a reportagem citada:

“as prisões da cidade de Nova York têm uma taxa de infecção assustadoramente alta, de acordo com uma análise da Legal Aid Society.
‘Com base nessa análise, as prisões da cidade de Nova York tornaram-se o epicentro do COVID-19’, disse um advogado da Assistência Jurídica.
...
A taxa de infecção nas prisões da cidade é de 14,51 por 1.000 pessoas, segundo a análise. Isso é sete vezes superior à taxa da cidade de Nova York, que se tornou um epicentro nacional da pandemia, e onde cerca de 2 em cada 1.000 pessoas estão infectadas.
...
O fracasso em libertar aqueles que estão nas prisões da cidade será particularmente devastador para as comunidades de cor, disse Molly Griffard, que trabalha com igual justiça na Assistência Jurídica. Entre julho e dezembro de 2019, mais da metade da população carcerária da cidade era negra, de acordo com o departamento de correção da cidade.
‘As pessoas encarceradas em Rikers são pessoas de cor predominantemente de baixa renda, que estão lá por um curto período de tempo e voltam para comunidades de cor de baixa renda em toda a cidade de Nova York’, disse Griffard. ‘O que isso significa é que torna essas comunidades ainda mais vulneráveis ​​à disseminação de uma maneira que as comunidades brancas ricas que não têm tanto contato com as pessoas da Rikers não terão’.
...”.
[Disponível em: https://theappeal.org/new-york-city-jails-coronavirus-covid-19-legal-aid-society/. Acesso em 07.04.2020 às 01h22min].

Evidente que tal prognóstico poderá repetir-se no Brasil e os principais alvos da doença que for irradiada das prisões serão as favelas e bairros populares onde vivem os pobres e a maior parte da população negra do país.


Com relação às características específicas da prisão em análise, em que os fundamentos que se apresentavam eram de que o réu se encontrava preso em razão do crime de tráfico de drogas e já ostentava antecedentes criminais pelo crime de roubo, o STJ exarou decisão que deve guiar o entendimento dos juízes brasileiros, a nosso ver.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nefi Cordeiro, com base na Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), concedeu liminar em habeas corpus (HC nº 566128 / SP) para determinar a adoção de medidas cautelares diversas da prisão no caso de um réu acusado de tráfico de drogas.

Em sua decisão, Nefi Cordeiro reconheceu a situação de vulnerabilidade da população carcerária do país diante da crise de Covid-19. Segundo ele, o risco da pandemia é ampliado nas condições de aprisionamento, em razão da concentração excessiva, da dificuldade de higiene e das deficiências de alimentação, comuns no sistema prisional.

O ministro ressaltou também que "o Judiciário brasileiro permanece atuando, mas com redução de audiências e suspensão dos prazos, assim prolongando a conclusão dos feitos, daí gerando também maior risco pela demora das prisões cautelares".

O relator mencionou que, no caso sob análise, a prisão preventiva foi decretada com base na jurisprudência do STJ segundo a qual a reiteração delitiva caracteriza a periculosidade do acusado. Além disso, consta do decreto prisional que o réu possui maus antecedentes e admitiu, perante a autoridade policial, que vinha comercializando drogas nos três meses anteriores à prisão.

De acordo com Nefi Cordeiro, considerando a dificuldade de rápida solução do processo e o gravíssimo risco à saúde, "Nesse momento, configurada a dificuldade de rápida solução ao mérito do processo e o gravíssimo risco à saúde, o balanceamento dos riscos sociais frente ao cidadão acusado merece diferenciada compreensão, para restringir a prisão cautelar. Apenas crimes com violência, praticados por agentes reincidentes ou claramente incapazes de permitir o regular desenvolvimento do processo, poderão justificar o aprisionamento. Crimes eventuais e sem violência, mesmo com justificada motivação legal, não permitem a geração do grave risco à saúde pela prisão", salientou o magistrado, com amparo no artigo 4º da Recomendação 62/2020 do CNJ.

Segundo o ministro, o crime imputado ao acusado – tráfico ilícito de drogas – não foi cometido mediante violência ou grave ameaça, e a quantidade de droga apreendida – apenas 15,34 gramas de cocaína – não é relevante.

Portanto, entendemos que o caso analisado pelo STJ é extremamente semelhante ao caso que analisamos no presente processo: réu preso em razão do crime de tráfico de drogas que já ostentava antecedentes criminais pelo crime de roubo, tendo sido apreendida uma pequena quantidade de entorpecentes, 30,4 gramas de maconha. Portanto, merece solução igual a que foi encontrada pelo Ministro do STJ.

Ante o exposto, CONVERTO A PRISÃO PREVENTIVA DE F,M.C.J. EM PRISÃO DOMICILIAR, por analogia ao disposto no art. 318, II, do CPP, impondo-lhe ainda, nos moldes do art. 319, IX, do CPP, monitoração eletrônica.

Expeça-se o competente alvará de soltura para prisão domiciliar.

Servirá o alvará de soltura para prisão domiciliar como comunicação à SEAP acerca da presente decisão para que monitore eletronicamente o acusado, procedendo às devidas orientações, devendo ser informado imediatamente a este juízo assim que a medida for implementada.

Dê-se ciência ao Ministério Público, excepcionalmente, via e-mail.

Cumpra-se.

Belém/PA, 07 de abril de 2020.

Flávio Sánchez Leão
Juiz de Direito Titular da 7ª Vara Criminal”


segunda-feira, 6 de abril de 2020

AS PRISÕES PODERÃO SER EPICENTROS DE DISSEMINAÇÃO DA DOENÇA PARA A POPULAÇÃO




Decisão que tomei como juiz da 7ª. Vara Criminal de Belém do Pará em que se leva em consideração a pandemia de COVID-19 provocada pelo coronavírus para determinar a soltura de prisioneiro acusado do crime de tráfico de drogas.
O réu foi preso com a quantidade de 14 papelotes de pedras de crack, equivalendo a apenas 4,1 gramas de entorpecente, sendo que, embora ostentasse antecedentes, por já ter sido condenado pelo mesmo crime de tráfico anteriormente, se ponderou que o abalo à saúde pública que o encarceramento em massa pode significar durante a pandemia deve se sobrepor a razões relativas, inclusive, a reincidência de presos.
Principalmente foi ponderado que as prisões superlotadas se tornem um risco não só aos presos, mas também que as prisões se tornem epicentros de disseminação da doença para toda a população.
Vejamos trechos da decisão:
“Com relação à excepcionalidade com que se deve aplicar medidas de manutenção do encarceramento durante a pandemia da Covid-19, vejamos as seguintes razões.
Em primeiro lugar, deve ser lavado em conta – se não quiserem considerar razões humanitárias que justificam o desencarceramento em meio a uma situação de pandemia – que existe um risco real e iminente: o de que as prisões se tornem epicentros de disseminação da doença para toda a população.
Engana-se quem pensa que só a população carcerária corre risco de ser afetada por um surto de Covid-19 nos locais de custódia. Todas as pessoas que trabalham nas unidades prisionais, como agentes penitenciários e de escolta, policiais, advogados, defensores públicos, juízes, promotores, profissionais de saúde, psicólogos, assistentes sociais e, por consequência, todos aqueles que os cercam, seus familiares, amigos e vizinhos estarão vulneráveis. No país todo milhares de servidores prisionais entram e saem das prisões, todos os dias.
Não se pode esquecer que o Poder Judiciário continua decretando novas prisões, bem como há presos que, nesse período, verão suas penas chegarem ao fim e serão soltos, o que propiciará que o vírus transite para dentro e para fora do sistema.
É de se observar, nesse sentido, a experiência de países em que a pandemia já se encontra em estágio mais avançado. Em Nova York, o novo vírus está se disseminando pelas prisões e o ambiente prisional está sendo considerado um epicentro de contaminações na cidade, conforme análise da Legal Aid Society, que aponta que a taxa de infecções no ambiente prisional espraia-se em velocidade sete vezes maior que no restante da população [Disponível em: https://www.conversaafiada.com.br/politica/prisoes-de-nova-york-viram-epicentro-do-coronavirus-aprenderemos-a-licao. Acesso em 06.04.2020 às 12h40min]”.
Outro fundamento utilizado na decisão foi a decisão tomada pelo Ministro Nefi Cordeiro do Superior Tribunal de Justiça, na qual o magistrado pondera que crimes praticados sem violência ou rave ameaça à pessoa, como o caso do tráfico de drogas, ainda que o acusado ostente antecedentes criminais, não permitem a geração do grave risco à saúde pela prisão.
Vejamos trechos da decisão:
“Em sua decisão, Nefi Cordeiro reconheceu a situação de vulnerabilidade da população carcerária do país diante da crise de Covid-19. Segundo ele, o risco da pandemia é ampliado nas condições de aprisionamento, em razão da concentração excessiva, da dificuldade de higiene e das deficiências de alimentação, comuns no sistema prisional.
O ministro ressaltou também que "o Judiciário brasileiro permanece atuando, mas com redução de audiências e suspensão dos prazos, assim prolongando a conclusão dos feitos, daí gerando também maior risco pela demora das prisões cautelares".
O relator mencionou que, no caso sob análise, a prisão preventiva foi decretada com base na jurisprudência do STJ segundo a qual a reiteração delitiva caracteriza a periculosidade do acusado. Além disso, consta do decreto prisional que o réu possui maus antecedentes e admitiu, perante a autoridade policial, que vinha comercializando drogas nos três meses anteriores à prisão.
De acordo com Nefi Cordeiro, considerando a dificuldade de rápida solução do processo e o gravíssimo risco à saúde, "Nesse momento, configurada a dificuldade de rápida solução ao mérito do processo e o gravíssimo risco à saúde, o balanceamento dos riscos sociais frente ao cidadão acusado merece diferenciada compreensão, para restringir a prisão cautelar. Apenas crimes com violência, praticados por agentes reincidentes ou claramente incapazes de permitir o regular desenvolvimento do processo, poderão justificar o aprisionamento. Crimes eventuais e sem violência, mesmo com justificada motivação legal, não permitem a geração do grave risco à saúde pela prisão", salientou o magistrado, com amparo no artigo 4º da Recomendação 62/2020 do CNJ.
Segundo o ministro, o crime imputado ao acusado – tráfico ilícito de drogas – não foi cometido mediante violência ou grave ameaça, e a quantidade de droga apreendida – apenas 15,34 gramas de cocaína – não é relevante”.
Entendendo que o caso analisado pelo STJ era extremamente semelhante ao caso analisado na 7ª. Vara Criminal de Belém - réu preso em razão do crime de tráfico de drogas que já ostentava antecedentes criminais pelo mesmo crime, tendo sido apreendida uma ínfima quantidade de entorpecentes - foi convertida a prisão preventiva em prisão domiciliar mediante monitoramento eletrônico, por analogia ao disposto no art. 318, II, do CPP.
* Decisão referente ao processo nº 00048413720208140401 da 7a. vara Criminal de Belém do Pará

O CRIME DE GENOCÍDIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA




O CRIME DE GENOCÍDIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
*Flávio Sánchez Leão – Juiz de Direto da 7ª. Vara Criminal da Comarca de Belém do Pará

Caso venham a se confirmar, no Brasil, as dezenas de milhares de mortes decorrentes da pandemia do coronavírus, que podem haver em razão de se relaxarem as medidas de isolamento social e quarentenas que são as únicas politicas públicas capazes de conterem a expansão do vírus, conforme aconselham todas as autoridades médicas e sanitárias do Brasil e do mundo, inclusive o Ministério da Saúde brasileiro e a OMS, estas mortes excedentes e desnecessárias, muito além das que serão inevitavelmente causadas pela pandemia, deverão ser atribuídas ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, que terá cometido, no dia 24/03/2020, em seu pronunciamento oficial à nação, um crime de genocídio consumado.
O crime é previsto na Lei federal nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, que define e pune os crimes de genocídio.
Dispõe a lei:
“Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
(...)
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; (pena prevista no Código Penal: reclusão, de doze a trinta anos)
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; (pena prevista no Código Penal: reclusão, de dois a oito anos)
Com as penas do art. 270, no caso da letra c; (pena prevista no Código Penal: reclusão, de dez a quinze anos)”.
No conceito de “grupo nacional”, previsto como sujeito passivo no caput do artigo legal, vítimas deste crime, entendo estar plenamente enquadrado o grupo de brasileiros com mais de 60 anos, diabéticos, cardíacos, hipertensos e portadores de demais doenças crônicas que se convencionou chamar de grupo de risco frente à doença do coronavírus.
Vejamos que, além das mortes e lesões corporais que o contágio do vírus vier causar a esse grupo, estarão estes cidadãos submetidos “a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial”, conforme diz o artigo da Lei, pois será dessa forma que passarão a viver milhões de idosos e portadores de doenças crônicas, cercados de outros milhares ou milhões de contaminados assintomáticos que irão ser portadores do vírus e serão vetores da pestilência aos mais vulneráveis em razão de terem se relaxado as medidas de contenção social.
Portanto, perfeitamente caracterizado os elementos típicos do crime de genocídio até agora analisados.
Resta saber se o crime de genocídio pode ser cometido por meio de dolo eventual.
A defesa do Presidente da República poderia argumentar que a lei exige a “intenção” de destruir o grupo de vítimas. Poderia argumentar que jamais o Presidente da República teve a intenção de matar pessoas ou causar-lhes lesões. Que sua intenção era, na verdade, salvar a economia nacional (como se isto fosse possível a essa altura dos acontecimentos).
Portanto, poder-se-ia argumentar que o crime de genocídio só poderia ser cometido a título de dolo direto, intencional, considerando-se como tal aquele que o agente previu e quis o resultado, conforme o art. 18, inciso I, primeira parte, do Código Penal brasileiro que dispõe: “Art. 18 - Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ...”.
Entretanto, entendemos que o crime de genocídio pode ser cometido, também, por meio de dolo indireto ou eventual, que é quando o agente assume o risco de produzir o resultado, prevê o resultado como possível ou provável e, mesmo assim, resolve agir de qualquer forma, aceitando a sua eventual ocorrência.
Tal modalidade dolo eventual está prevista no mesmo dispositivo do Código Penal brasileiro, conforme o art. 18, inciso I, segunda parte, que dispõe: “Art. 18 - Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado OU ASSUMIU O RISCO DE PRODUZI-LO.
Pois bem, Bolsonaro assume o risco de produzir o resultado criminoso contra o grupo nacional vítima do genocídio pregado pelo Presidente da República quando afirma em seu pronunciamento à nação: “O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine”.
Ou seja, admite haver um grupo nacional de mais vulneráveis ao coronavírus, mas aceita o resultado morte e lesão corporal que o vírus pode causar a este grupo. E, assim aceitando o resultado, conclama a 'volta à normalidade' e fim do 'confinamento em massa' e, até mesmo, a reabertura das aulas nas escolas.
Portanto, estará plenamente configurado o crime de genocídio por meio do dolo eventual.
Logo, caso confirmadas nos próximos dias as mortes do grupo de nacionais vulneráveis ao coronavírus em razão direta da desmobilização do isolamento social e quarentena que vem sendo implementados no Brasil especialmente pelos governadores e se mostrar evidente que o número de mortos extrapolou e muito o que ocorreria caso mantidas as medidas de contenção sanitárias, o Presidente da República deverá ser julgado pelo cometimento do crime de genocídio.
E tal julgamento caberá ao Tribunal Popular do Júri, pois o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 351.487/RR, sublinhou que havendo concurso formal entre genocídio e homicídio doloso, compete ao Tribunal do Júri da Justiça Federal o julgamento dos crimes de homicídio e genocídio, quando cometidos no mesmo contexto fático.
Caso os demais poderes e instituições não tomem providencias para responsabilizar penalmente o Presidente da República, ainda assim Jair Bolsonaro poderá ser submetido a julgamento perante o Tribunal Penal Internacional, pois o Estatuto de Roma, que instituiu o referido Tribunal Penal Internacional, promulgado pelo decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, em vigor, portanto, no nosso país,  estabeleceu a competência ao Tribunal Penal internacional para o julgamento de quatro categorias de crimes: a) o crime de genocídio; b) os crimes contra a humanidade; c) os crimes de guerra; e d) crimes de agressão.