Decisão que tomei como juiz da 7ª. Vara Criminal de Belém do
Pará em que se leva em consideração a pandemia de COVID-19 provocada pelo
coronavírus para determinar a soltura de prisioneiro acusado do crime de
tráfico de drogas.
O réu foi preso com a quantidade de 14 papelotes de pedras
de crack, equivalendo a apenas 4,1 gramas de entorpecente, sendo que, embora
ostentasse antecedentes, por já ter sido condenado pelo mesmo crime de tráfico
anteriormente, se ponderou que o abalo à saúde pública que o encarceramento em
massa pode significar durante a pandemia deve se sobrepor a razões relativas,
inclusive, a reincidência de presos.
Principalmente foi ponderado que as prisões superlotadas se
tornem um risco não só aos presos, mas também que as prisões se tornem
epicentros de disseminação da doença para toda a população.
Vejamos trechos da decisão:
“Com relação à excepcionalidade com que se deve aplicar
medidas de manutenção do encarceramento durante a pandemia da Covid-19, vejamos
as seguintes razões.
Em primeiro lugar, deve ser lavado em conta – se não
quiserem considerar razões humanitárias que justificam o desencarceramento em
meio a uma situação de pandemia – que existe um risco real e iminente: o de que
as prisões se tornem epicentros de disseminação da doença para toda a
população.
Engana-se quem pensa que só a população carcerária corre
risco de ser afetada por um surto de Covid-19 nos locais de custódia. Todas as
pessoas que trabalham nas unidades prisionais, como agentes penitenciários e de
escolta, policiais, advogados, defensores públicos, juízes, promotores,
profissionais de saúde, psicólogos, assistentes sociais e, por consequência,
todos aqueles que os cercam, seus familiares, amigos e vizinhos estarão
vulneráveis. No país todo milhares de servidores prisionais entram e saem das
prisões, todos os dias.
Não se pode esquecer que o Poder Judiciário continua
decretando novas prisões, bem como há presos que, nesse período, verão suas
penas chegarem ao fim e serão soltos, o que propiciará que o vírus transite
para dentro e para fora do sistema.
É de se observar, nesse sentido, a experiência de países em
que a pandemia já se encontra em estágio mais avançado. Em Nova York, o novo
vírus está se disseminando pelas prisões e o ambiente prisional está sendo
considerado um epicentro de contaminações na cidade, conforme análise da Legal
Aid Society, que aponta que a taxa de infecções no ambiente prisional
espraia-se em velocidade sete vezes maior que no restante da população
[Disponível em: https://www.conversaafiada.com.br/politica/prisoes-de-nova-york-viram-epicentro-do-coronavirus-aprenderemos-a-licao.
Acesso em 06.04.2020 às 12h40min]”.
Outro fundamento utilizado na decisão foi a decisão tomada
pelo Ministro Nefi Cordeiro do Superior Tribunal de Justiça, na qual o
magistrado pondera que crimes praticados sem violência ou rave ameaça à pessoa,
como o caso do tráfico de drogas, ainda que o acusado ostente antecedentes
criminais, não permitem a geração do grave risco à saúde pela prisão.
Vejamos trechos da decisão:
“Em sua decisão, Nefi Cordeiro reconheceu a situação de
vulnerabilidade da população carcerária do país diante da crise de Covid-19.
Segundo ele, o risco da pandemia é ampliado nas condições de aprisionamento, em
razão da concentração excessiva, da dificuldade de higiene e das deficiências
de alimentação, comuns no sistema prisional.
O ministro ressaltou também que "o Judiciário brasileiro
permanece atuando, mas com redução de audiências e suspensão dos prazos, assim
prolongando a conclusão dos feitos, daí gerando também maior risco pela demora
das prisões cautelares".
O relator mencionou que, no caso sob análise, a prisão
preventiva foi decretada com base na jurisprudência do STJ segundo a qual a
reiteração delitiva caracteriza a periculosidade do acusado. Além disso, consta
do decreto prisional que o réu possui maus antecedentes e admitiu, perante a
autoridade policial, que vinha comercializando drogas nos três meses anteriores
à prisão.
De acordo com Nefi Cordeiro, considerando a dificuldade de
rápida solução do processo e o gravíssimo risco à saúde, "Nesse momento,
configurada a dificuldade de rápida solução ao mérito do processo e o
gravíssimo risco à saúde, o balanceamento dos riscos sociais frente ao cidadão
acusado merece diferenciada compreensão, para restringir a prisão cautelar.
Apenas crimes com violência, praticados por agentes reincidentes ou claramente
incapazes de permitir o regular desenvolvimento do processo, poderão justificar
o aprisionamento. Crimes eventuais e sem violência, mesmo com justificada
motivação legal, não permitem a geração do grave risco à saúde pela
prisão", salientou o magistrado, com amparo no artigo 4º da Recomendação
62/2020 do CNJ.
Segundo o ministro, o crime imputado ao acusado – tráfico
ilícito de drogas – não foi cometido mediante violência ou grave ameaça, e a
quantidade de droga apreendida – apenas 15,34 gramas de cocaína – não é
relevante”.
Entendendo que o caso analisado pelo STJ era extremamente
semelhante ao caso analisado na 7ª. Vara Criminal de Belém - réu preso em razão
do crime de tráfico de drogas que já ostentava antecedentes criminais pelo
mesmo crime, tendo sido apreendida uma ínfima quantidade de entorpecentes - foi
convertida a prisão preventiva em prisão domiciliar mediante monitoramento
eletrônico, por analogia ao disposto no art. 318, II, do CPP.
* Decisão referente ao processo nº 00048413720208140401 da
7a. vara Criminal de Belém do Pará
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