quarta-feira, 7 de março de 2012

Liberdade provisória para preso em flagrante por tentativa de furto, ainda que o preso já possua antecedente criminal.

Existem centenas ou milhares de casos espalhados pelos fóruns criminais em que a pessoa presa em flagrante por tentativa de furto simples é mantida encarcerada e não lhe é concedido o direito de responder ao processo em liberdade provisória para aguardar o seu julgamento definitivo.
No caso que passamos a analisar, o indiciado tinha sido preso em flagrante por tentativa de furto e os autos do flagrante vieram a mim para apreciar a legalidade da prisão e a necessidade de manutenção do indiciado na prisão.
Em primeiro lugar, a prisão tinha sido formalmente correta, pois o indiciado estava cometendo o delito no momento em que foi preso, conforme preceitua o art. 302, I, do CPP: “Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal”.
Embora o indiciado já respondesse a outra ação penal por crime contra o patrimônio, não havia sido condenado ainda. Logo, tal “antecedente” não poderia, no futuro, exacerbar a pena que lhe fosse aplicada no processo em que tinha acabado de ser preso. É o que determina a Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
A tentativa de furto possui prevista uma pena que varia de 4 meses de reclusão, no mínimo, a 2 anos e 8 meses de reclusão, no máximo. Como a pena a ser aplicada não poderia ser agravada em razão do suposto “antecedente”, havia certa probabilidade de que ela fosse fixada perto do mínimo, que é de 4 meses de reclusão. Ainda que fosse fixada no máximo (2 anos e 8 meses de reclusão), havia possibilidade de o indiciado cumpri-la em regime aberto, pois dispõe o art. 33, §2º, “c”, do Código Penal: “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”.
Que fique claro que o indiciado, embora estivesse sendo processado anteriormente, não poderia ser considerado reincidente, pois não havia sido, ainda, condenado. Muito bem poderia o réu vir a ser absolvido naquele processo que pesava contra si na conta de “antecedentes”.
Reincidente é somente aquele que já foi condenado anteriormente e comete outro crime após a condenação, conforme dispõe o art. 63 do Código Penal: “Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.
Logo, sendo condenado a uma pena inferior a 4 anos de reclusão, não lhe poderia ser imposto que a cumprisse no regime fechado.
No sentido do que está sendo defendido há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PENA-BASE. FIXAÇÃO EM PATAMAR SUPERIOR AO MÍNIMO. INQUÉRITOS NÃO ENCERRADOS E AÇÃO PENAL EM QUE O RÉU FOI ABSOLVIDO. CONSIDERAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES, MÁ CONDUTA SOCIAL E MÁ PERSONALIDADE. DESCABIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA CONSIDERÁ-LAS COMO DESFAVORÁVEIS. FIXAÇÃO DA REPRIMENDA NO MÍNIMO LEGAL. 1. Esta Corte Superior tem entendido que, em respeito ao princípio da presunção de inocência, não podem ser considerados, para caracterização de maus antecedentes, má conduta social ou de personalidade negativa, inquéritos que ainda estejam em andamento e ações penais em que o acusado foi absolvido. 2. Não havendo fundamentação idônea para considerar desfavoráveis as circunstâncias judiciais, devida a imposição da pena-base no seu mínimo. EXECUÇÃO. REGIME FECHADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA-BASE. IMPOSIÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. REINCIDÊNCIA. SÚMULA 269/STJ. COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA. 1. Ausente qualquer fundamentação por parte do Juízo sentenciante para a imposição do regime fechado e verificando-se que o Tribunal impetrado manteve-a tão-somente em razão dos antecedentes e da conduta social do paciente, equivocadamente considerados como negativos, mostra-se incabível a manutenção da forma mais gravosa para o resgate da reprimenda. (...). 3. Ordem concedida para  excluir da pena-base o aumento em razão dos maus antecedentes, da má conduta social e da personalidade negativa do paciente, ilegalmente consideradas, fixando-se a sanção definitivamente em 2 anos de reclusão e ao pagamento de 10 dias-multa, impondo-se ainda o regime aberto para o seu resgate.(STJ - HC 95580 / MS, HABEAS CORPUS 2007/0284034-9, Relator(a) Ministro JORGE MUSSI (1138), Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento 14/04/2009, Data da Publicação/Fonte DJe 01/06/2009).
Por outro lado, sendo a pena inferior a 4 anos de reclusão, em caso de condenação, haveria possibilidade, ainda, de a mesma ser substituída por uma pena restritiva de direitos (pena alternativa), como a prestação de serviços à comunidade por exemplo. É o que dispõe o art. 44, inc. I, do Código Penal: “Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo”.
Portanto, havendo alta probabilidade de o indiciado vir a cumprir a sua pena fora do cárcere se condenado, não havia proporcionalidade alguma em mantê-lo preso antes da condenação.
Decidi da seguinte forma:
“1. Mantenho o flagrante com base no art. 302, I, do CPP. 2. O réu já responde por crime patrimonial, processo criminal nº XXXXXXX. Entretanto, não há sentença condenatória transitada em julgado. Portanto, tal antecedente não poderá exacerbar a pena do réu (súmula 444 do STJ) nem determinar que cumpra a pena em regime fechado caso condenado. Portanto, considerando que a pena máxima a ser aplicada não ultrapassa 4 anos de prisão, já que se trata de uma tentativa de furto, o réu, caso condenado, poderá vir a cumpri-la em regime aberto e, até mesmo, há a possibilidade de substituição por pena restritiva de direitos. Logo não é proporcional que permaneça como preso provisório se há possibilidade de livrar-se solto caso condenado.  Ante o exposto, com base no art. 350 do CPP, concedo a liberdade provisória, sendo que, presumindo sua má situação econômica, já que o mesmo está representado pela Defensoria Pública, dispenso a fiança e sujeito-o às obrigações constantes no art. 327 e 328 do CPP . Expeça-se alvará de soltura, e lavre-se termo de compromisso sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do CPP. Int. Belém-PA, 12 de fevereiro de 2012. FLÁVIO SÁNCHEZ LEÃO, Juiz de Direito.
No final da decisão se isentou o indiciado da obrigação de pagar fiança tendo em vista a sua evidente carência econômico-financeira.
Em que pese todo o entendimento exposto, deve se alertar, como já dito no início, que há milhares de presos provisórios nos fóruns criminais deste país justamente na situação descrita – presos por furto e tentativa de furto –, quando se podia e se devia lhes reconhecer o direito de aguardarem seu julgamento em liberdade provisória.